Por Tatiani Coimbra (M00018)
A
matéria da Veja do repórter Lúis Bulcão fala a respeito da ECO92, da criação
da Agenda 21 e outros documentos principais. Mas vale a pena ler o que os
líderes de 108 países decidiram e a posição dos EUA em relação as questões
ambientais. Leia na íntegra abaixo:
Quando o Rio foi a
capital do mundo
Por Luís Bulcão
O dia 11 de junho de
1992 amanheceu diferente. As ruas estavam ocupadas por 15 mil homens do
Exército ostentando fuzis. Tanques foram posicionados ao longo de vias
expressas. O espaço aéreo ficou restrito a voos oficiais e de rota comercial.
As escolas suspenderam as aulas. O governo decretou ponto facultativo. Peças de
teatro foram canceladas e emissoras de TV suspenderam gravações de
novelas. O aparente estado de sítio foi a medida adotada para garantir a
segurança dos 108 chefes de estado — presidentes, primeiros-ministros, emires,
ditadores e monarcas das mais diferentes nações — que circulariam pelo Rio na
ECO-92. Um decreto presidencial determinava que,
depois de 62 anos, o Rio voltava a ser a capital do Brasil — pelo menos por
alguns dias. Durante quatro dias, eles se reuniriam para definir rumos para uma
sociedade global mais justa e sustentável. Era a última etapa das negociações
travadas desde o dia 3 daquele mês por milhares de diplomatas e membros de delegações
de 172 países em salas montadas nas dependências do Riocentro, na zona oeste da
cidade.
Quando os chefes de
estado começaram a desembarcar, os principais documentos a serem produzidos pela
Eco 92 — A Convenção sobre Biodiversidade, a Convenção sobre Mudança Climática,
a Agenda 21 e a Declaração do Rio — já estavam escritos e havia consenso sobre
a maior parte do conteúdo. Mas alguns pontos fundamentais ficaram para a
decisão dos líderes.
Pelo menos três questões
contribuíam para as olheiras dos diplomatas, que entravam as madrugadas em
negociações infindáveis. A primeira delas era o financiamento para os projetos
ambientais da Agenda 21. O documento, que estabelecia diretrizes para as políticas
internacionais rumo ao desenvolvimento sustentável, implicaria no
comprometimento dos países desenvolvidos de atrelar 0,7% do seu PIB até o
ano2000 a programas que promoveriam os esforços previstos na agenda. A proteção
das florestas tropicais era outro ponto conflitante. Malásia, Índia e
Paquistão, preocupados com a soberania de suas florestas e, principalmente a
primeira, com o lucro das exportações de madeira, eram contrários a um
documento que os limitasse. A terceira questão não deixava por menos. Os países
travavam uma batalha — que perduraria pelos próximos 20 anos — para a definição
de metas para reduzir a emissão de gases causadores do aquecimento global.
Enquanto os integrantes
do então chamado G-77, o grupo dos países subdesenvolvidos, salivavam com a
possibilidade de um acordo para o financiamento da Agenda 21 — a ONU esperava
gerar por ano 128 bilhões de dólares com a medida — para investimento no
terceiro mundo, detentor da maior parte da flora e fauna naturais, circulava
pelas ruas uma limusine blindada de sete toneladas. Era o carro oficial do
vilão da conferência, presidente dos Estados Unidos, George Bush (pai), em
campanha pela reeleição. Bush ganhou a alcunha por ser contrário às principais
propostas da Eco 92, visto como inimigo do meio ambiente. Naquele ano, ele
acabou derrotado pelo democrata Bill Clinton – aguardado para a Rio+20.
Enfrentando um período
de recessão em casa e encaminhando sua campanha para a reeleição Bush só veio
ao Rio depois que seus diplomatas conseguiram retirar da Convenção sobre
Mudança Climática todo e qualquer parágrafo que fizesse com que os americanos
se comprometessem com metas ou dinheiro para a redução da emissão de poluentes.
Para piorar a sua situação, o Japão, então a segunda maior economia do mundo, e
a Comunidade Europeia (então com 12 países membros) comunicaram que iriam
assinar a Convenção sobre Diversidade Biológica, deixando os EUA, maiores
poluidores do planeta, isolados.
Bush não se comoveu.
Dedicou-se, durante a conferência, a cobrar de países de terceiro mundo a
preservação de florestas tropicais e repetiu que não se comprometeria com
qualquer medida ambiental que afetasse a economia do seu país. Em discurso na
cúpula, não demonstrou arrependimento: “Não é fácil ficar só por princípio. Mas
algumas vezes, a liderança leva a isso”.
Em quatro dias,
a cúpula de líderes não encontrou solução para as poucas — mas fundamentais
— divergências e as concessões transformaram a conferência em um vácuo de ações
concretas. Os países desenvolvidos não concordaram com
a meta de atrelar 0,7% do seu PIB para projetos ambientais até2000. AConvenção
sobre Biodiversidade ficou sem a assinatura do detentor da maior indústria
biotecnológica do mundo, a americana, que via o acordo como uma ameaça à
propriedade intelectual. A Convenção sobre Mudança Climática incluiu os Estados
Unidos, mas não estipulou metas e não contou com compromissos jurídicos. As
ações efetivas das convenções foram deixadas para acordos futuros a serem
realizados em conferências dos países signatários — o que se provou
ineficiente, pois metas para emissões de gás e acordos biotecnológicos
concretos ainda não entraramem vigor. Ainda, sob o lobby dos países liderados
pela Malásia, o que era para ser a convenção sobre a proteção às florestas
virou uma mera declaração de princípios.
Nem a iniciativa da
Comunidade Europeia e do Japão de investir aproximados 10 bilhões de
dólares em projetos ambientais, muito aquém do valor necessário estimado pela
ONU, nem o anúncio unilateral de última hora de alguns países em direção ao
estabelecimento de metas para reduzir emissões de gases fizeram muito para
amenizar a impressão de que a Eco 92 não passou de um compêndio de boas intenções
sem compromissos práticos.
Mas as intenções em si
já eram históricas. Vinte anos passados da Conferência de Estocolmo, que deu
início ao diálogo internacional em relação ao meio ambiente, as ideias estavam
amadurecidas. O Relatório Brundtland, ou Nosso Futuro Comum, publicado em 1987,
foi um documento chave para a conscientização mundial em torno da preservação e
utilização adequada dos recursos da Terra. Era a pedra fundamental para a
aceitação do conceito de desenvolvimento sustentável.
A Eco 92 sacramentou a
ideia. Pela primeira vez, o comprometimento político internacional em torno do
tema foi formalmente atestado em dois documentos da conferência, a Declaração
do Rio e a Agenda 21. Através deles, os governos admitiram que as políticas de
hoje deveriam se preocupar de forma igual com as gerações presentes e futuras.
Reafirmaram a importância da proteção à atmosfera, às florestas, à
biodiversidade e aos ecossistemas. Admitiram a necessidade de uso sustentável
dos recursos naturais, do solo, da água doce, dos oceanos e dos mares.
Declararam fundamentais o combate à miséria e o controle demográfico.
Para quem esperava
grandes iniciativas que colocassem tudo isso em prática, o encontro do Rio
acabou sendo mais coerente com o ritmo lento dos mecanismos da ONU do que com a
urgência reivindicada pelas previsões catastróficas mais radicais. Mas a ideia
estava lá. O mundo poderia ser exatamente o mesmo quando os aviões oficiais
decolaram do Rio, devolvendo à cidade sua rotina de insegurança e desigualdade.
Mas pensava diferente.
Fonte:
Revista Veja
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